terça-feira, 10 de novembro de 2009

É hora de comer seu cachorro?


Você separa o lixo em casa, evita usar sacolinhas plásticas quando não é necessário, encaminha pilhas e baterias para a reciclagem e acha que está fazendo a sua parte pelo planeta?

Robert Vale acredita que não – e ainda garante que, em um mundo sustentável, teremos que nos fazer questionamentos tão difíceis quanto esse: é hora de comer seu cachorro?

A pergunta, “Time to Eat The dog?”, é o título do livro que ele, professor de arquitetura da Universidade de Wellington, na Nova Zelândia, lançou mês passado em parceria com a sua esposa. Com Brenda Vale, também professora na mesma instituição, Robert forma o casal mais conhecido no meio da arquitetura verde.


Pioneiros na área, Robert e Brenda estudaram juntos na Universidade de Cambridge e, em 1975, já publicaram seu primeiro livro “The Autonomous House”, um guia para desenvolver soluções para uma casa auto-suficiente.

Em 1993 projetaram a primeira construção verde do Reino Unido – no caso, sua própria casa, completamente autônoma. Desde 1996, o casal se mudou para a Nova Zelândia onde, apesar de não viverem mais em uma casa 100% sustentável, pregam um estilo de vida condizente com a realidade ambiental que vivemos – a chave é aprender que não é possível ter tudo: filhos, cachorro, carro e férias de avião.

Filho de um grande executivo de uma empresa petroleira, Robert se interessou pelas tecnologias verdes em 1972, em uma Conferência Climática da ONU.

De Wellington, o professor Vale concedeu uma entrevista à INFO Online na qual diz ter feito as contas ambientais antes de ter filhos, afirma que seremos obrigados a escolher como gastar nossos próprios créditos de carbono – já que ter tudo é inviável – e explica: afinal, é hora de comer o cachorro?


INFO – O seu último livro (ainda sem tradução para o português) tem um título bem polêmico. Por que dar esse nome?

VALE - A ideia do livro é chocar. As pessoas acham que por comprar um carro híbrido e diminuir o uso de sacolas plásticas elas estão fazendo sua parte. Acho que elas querem acreditar que estão fazendo sua parte, mas não estão. Não estamos dizendo que você tem que comer seu cachorro, mas as pessoas deveriam pensar sobre as coisas que fazem. Sustentabilidade significa que teremos que tomar decisões difíceis - tão difíceis quanto pensar em comer o cachorro. O que tentamos fazer no livro é olhar os impactos ambientais dos mais diferentes aspectos da vida: alimentação, funerais, casamentos, animais de estimação, roupas, hobbies... É olhar todas as coisas que fazemos e tentar achar o impacto para dar às pessoas a informação para que elas possam fazer escolhas. Em um mundo ideal não podemos todos ter tudo.

Que tipo de escolhas?

A maior diferença é como você se comporta. Se você decide comer comida orgânica, ou não comer carne, ou não comprar alimentos industrializados, ou não viajar de avião... O que temos que fazer é começar a pensar verde. Precisa viajar? Junte vários compromissos em uma só agenda. Para que construir casas enormes? Vamos investir em aparelhos e construções que durem mais, aproveitar coisas antigas ao invés de sempre comprar as novas.

Qual a maior dificuldade das pessoas em aceitar uma vida verde?


Acho que o problema é que as pessoas acham que terão que abrir mão de tudo e pensam no que deixarão de ter, e não no que terão.

E o que elas terão?

O suficiente. E ainda mais tempo para si. Nessa economia todos trabalhamos muitas horas, não vemos nossas famílias, acordamos no escuro, vamos dormir no escuro.. E por quê? Fazemos para ganhar dinheiro para compensar o que perdemos na vida. Temos TV de plasma, carros grandes, computadores, iPods e todas essas coisas, mas não existe uma só evidência de que ter tudo isso nos faça mais felizes.

O que você faz na sua vida para diminuir o impacto?

Tentamos coisas diferentes. Não é preciso ser radical, apenas escolher. Nossa casa na Inglaterra era autônoma: coletávamos a água da chuva, fazíamos composto de lixo, tínhamos energia solar. Mudamos há 13 anos para a nova Zelândia e a casa em que morávamos tinha coletor da água da chuva e aquecimento de água por energia solar. A casa em que moramos atualmente é menor, mais velha e compramos energia de uma empresa que usa apenas energia eólica. Nós também pegamos ônibus, trem... Mas entendo que isso é complicado para as pessoas: se você é um executivo e pega um ônibus, seus colegas irão te reprimir. Há pressão para demonstrar sucesso mostrando posses materiais.

E você tem filhos?

Tenho três filhos. Mas nenhuma das duas irmãs da minha esposa têm filhos, então há uma compensação. Nós pensamos sobre isso, porque ter filhos causa um impacto no planeta. Falamos sobre isso no livro: o único país do mundo que é corajoso o suficiente para ter uma política populacional é a China.

Mas lá a situação é caótica....


A situação é caótica no mundo. Quando era estudante, a população era de três bilhões. Agora somos quase sete bilhões, mas o planeta continua com os mesmos recursos.

Na sua época de estudante, não se falava muito em mudanças climáticas, não é?

Em 1975 já se falava disso sim, mas ninguém ouvia. Eu em lembro de manchetes na Inglaterra que diziam: a Terra tem 10 anos de vida. Foi publicado, teve atenção, mas ninguém agia.

E agora, acha que os líderes irão agira em Copenhague?

Há poucos sinais de que os lideres vão agir porque eles estão presos em um modelo econômico baseado na destruição. Estamos entrando tempos difíceis e não tenho muitas esperanças. Se tivéssemos agido nos anos 70, as coisas estariam melhores. Mas a sociedade não escolheu e agora é um pouco tarde...

Então, é hora de comer o cachorro?

Pode não ser uma boa ideia ter um animal de estimação. Cachorro, filhos, casas grandes, viagens de aviões... Você terá que escolher. Conheço pessoas que não têm filhos, mas têm cachorros, por exemplo. Ou que têm cachorro, mas são vegetarianas. Você pode escolher, mas não pode ter tudo.

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