Na madrugada do dia 17 de junho de 1972, cinco homens vestindo terno e gravata, calçando luvas cirúrgicas e carregando milhares de dólares nos bolsos foram surpreendidos arrombando o escritório do Comitê Nacional do Partido Democrata, localizado no sexto andar do edifício Watergate, em Washington, capital dos Estados Unidos.
O crime chamou a atenção de Carl Bernstein e Bob Woodward, dois jovens repórteres do jornal "The Washington Post", um dos mais importantes do país. Eles passaram a seguir as pistas com ajuda de uma fonte sigilosa que, por 33 anos, foi conhecida apenas como "Garganta Profunda".
Mark Felt, a verdadeira identidade sob o pseudônimo, era na época o segundo homem na direção do FBI, a polícia federal norte-americana. Ele morreu no último dia 18 de dezembro aos 95 anos, no Estado da Califórnia.
Felt havia revelado em 2005 ser a fonte anônima mais bem guardada das últimas décadas, por meio de um artigo de sua autoria publicado na revista "Vanity Fair".
Complexo Watergate
A contribuição do ex-agente do FBI às matérias publicadas no "Post" culminaria, dois anos depois da invasão ao quartel-general dos democratas, com a primeira renúncia de um presidente norte-americano. Além disso, mudaria para sempre o cenário político da maior potência mundial.
Watergate entraria para a história como o mais famoso escândalo dos anos 70, e Garganta Profunda, como o personagem mais misterioso da política dos Estados Unidos.
Imprensa
Era um ano eleitoral em que Richard Nixon, 37º presidente eleito dos Estados Unidos, tentava se reeleger pelo Partido Republicano. Porém, não havia nenhuma evidência que ligasse o presidente ao grupo detido arrombando o escritório do partido rival para instalar escutas telefônicas.
Isso até que Bernstein e Woodward fossem escalados para dar continuidade à cobertura do caso. Nas semanas seguintes, eles descobriram que o nome de um dos homens detidos constava da folha de pagamento do comitê de reeleição de Nixon.
Mas foi um cheque de US$ 25 mil depositado na conta bancária de outro integrante do grupo, encontrado por Bernstein em Miami, que permitiu relacionar o crime aos fundos de campanha do presidente.
Richard Nixon deixa a Casa Branca em consequência do Caso Watergate.
As matérias do "Post" revelaram que Nixon fez um "caixa dois" de campanha, ou seja, fundos com dinheiro não declarado, para financiar operações de espionagem aos democratas. O objetivo era encontrar algo desfavorável aos adversários para ser usado como arma de campanha, de forma a garantir a vitória nas urnas.
Oficialmente, a Casa Branca não comentava o assunto. Ao longo dos dois anos seguintes, Nixon negou qualquer envolvimento com os fatos ao mesmo tempo em que, nos bastidores, montava uma "força tarefa" para obstruir as investigações da polícia e difamar o jornal.
Garganta profunda
Sem fontes que se dispusessem a contar o que sabiam, Woodward recorreu a Mark Felt, sob a condição de que seu verdadeiro nome não fosse citado nas reportagens e permanecesse no anonimato. A promessa foi cumprida pelo jornalista.
Na verdade, "Garganta profunda" (chamado assim em referência a um célebre filme pornográfico dos anos 70) não fornecia informações sigilosas ao repórter. Em seus encontros às escondidas com Woodward, em um estacionamento subterrâneo, ele apenas confirmava ou desmentia informações, colocando os jornalistas no caminho certo.
Desta forma, Felt foi fundamental para que a equipe do "Post" montasse o quebra-cabeça de Watergate.
Nixon
As denúncias não impediram que Nixon fosse reeleito, em novembro daquele mesmo ano, com mais de 60% dos votos válidos de vantagem (para efeito de comparação, Barack Obama venceu com 52%).
A carta de renúncia de Nixon
Apesar disso, era um presidente que lutava contra o tempo para desarmar a "bomba" de Watergate, que assumiu dimensão de escândalo nacional.
Em 1973, O FBI avançou nas investigações e, em abril daquele ano, quatro dos principais assessores do presidente foram demitidos por envolvimento no caso. Enquanto isso, o Senado formou uma comissão especial para acompanhar a apuração das denúncias envolvendo a Presidência da República.
Uma prova decisiva estava a caminho quando, em julho de 1973, um assessor da Casa Branca revelou a existência de conversas comprometedoras com Nixon gravadas no Salão Oval. Nixon fez de tudo para evitar que o material fosse divulgado.
Renúncia
Por fim, em 24 de julho de 1974, a Suprema Corte dos Estados Unidos ordenou a entrega das fitas cassetes à Justiça. Os áudios, mesmo parcialmente apagados, confirmaram que Nixon tentou, desde o início, impedir uma investigação profunda sobre o crime. Era a prova de que o presidente mentia sobre sua participação no episódio.
Com a iminência da votação de um impeachment, Nixon renunciou ao cargo em 8 de agosto de 1974, admitindo seus erros. O vice Gerald Ford foi empossado no dia seguinte, dando fim à crise. "Nosso longo pesadelo nacional terminou", disse na ocasião.
Um mês depois, concedeu a Nixon perdão para quaisquer crimes que tenha cometido, evitando assim que o ex-presidente fosse a julgamento. Richard Nixon morreu em 1994, aos 81 anos de idade.
Herança política
Depois de Watergate, a política americana não foi mais a mesma. Talvez seu principal legado tenha sido o ceticismo incorporado à opinião pública norte-americana, que passou a ser mais crítica em relação ao governo.
Para o restante do mundo, Watergate virou sinônimo de corrupção política. No Brasil, por exemplo, ficou conhecido como "Collorgate" o conjunto de denúncias de irregularidades que levaram o ex-presidente Fernando Collor de Mello a ser o primeiro presidente brasileiro a sofrer processo de impeachment, em setembro de 1992.
Woodward e Bernstein publicaram em 1974 o livro "Todos os Homens do Presidente", campeão de vendas nos Estados Unidos. Em 1976, a obra foi adaptada para o cinema em filme homônimo, dirigido por Alan J. Pakula e estrelado por Robert Redford e Dustin Hoffman (nos papéis dos repórteres do "Post"). O filme ganhou quatro Oscars.
As reportagens de Watergate são consideradas um marco do jornalismo investigativo e firmaram definitivamente o papel da imprensa na fiscalização dos poderes nas modernas sociedades democráticas.
José Renato Salatiel
Fonte: http://educacao.uol.com.br
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