Revista Cães & Cia, n. 316, setembro de 2005
Alexandre Rossi mostra a importância de estabelecer limites ao comportamento do cão e discute o papel da punição
Ser ou não ser carrasco
As pessoas podem ser classificadas em dois grandes grupos quanto à maneira de tentar educar seus cães. Há os que acreditam na necessidade de bater, forçar e obrigar o cão a fazer o que querem, criando uma relação baseada em medo. E há os que são contra qualquer punição e procuram não contrariar nem frustrar seus cães. Nesse segundo grupo, a maioria se sente insegura quanto à maneira de estabelecer limites. Alguns proprietários têm medo de ser brandos demais e não conseguir ser respeitados pelo cão. Outros temem ser rigorosos demais e deixar o cão medroso e apático ou sem iniciativa.
A agressão física tem sido duramente atacada na última década. Demonstrou-se que, na maioria das vezes, é possível e vantajoso ensinar com estímulos positivos e recompensas. Dessa maneira, o cão desenvolve gosto por aprender e se torna mais espontâneo. Mas, ao adotar a idéia do aprendizado mais agradável e recompensador, é importante saber estabelecer limites para impedir que certos comportamentos perigosos ou desagradáveis se desenvolvam. Felizmente, consegue-se esse objetivo sem ser necessário bater no cão ou machucá-lo.
Amor e liberdade
Achar que amar o cão é deixá-lo fazer o que quiser, sem dar bronca nem frustrá-lo, é um pensamento comum hoje em dia. Mas o resultado da falta de limites pode ser desastroso. Há a possibilidade de o cão se tornar agressivo ou inseguro e ainda de ele acabar preso num quintal ou canil, isolado do convívio com seu grupo, apesar de pertencer a uma espécie extremamente social.
A educação pode e deve ser feita com recompensas e reforços positivos, mas é importante também que haja limites. Quando esses não forem respeitados, será necessário adotar algum tipo de punição ou reforço negativo. Desse modo, pode-se garantir a segurança do animal, seu equilíbrio emocional e preservar o bom convívio dele em sociedade.
Sofrimento humano
Em numerosas consultas que prestei, aprendi que estabelecer limites pode ser extremamente doloroso e difícil, principalmente para algumas mulheres. Quando o cão é considerado o bebê da casa, as pessoas se sentem culpadas por puni-lo e temem que ele fique magoado com elas. São sentimentos genuínos, que devem ser respeitados. Por isso, passei a dar bastante atenção aos aspectos psicológicos envolvidos no estabelecimento de limites, em vez de me preocupar somente com a aplicação da técnica. Entender que as broncas eficazes fazem parte da educação permite às pessoas se sentirem menos mal ao aplicá-las. Uma técnica engraçada, mas que tem funcionando, é a pessoa explicar para o cão que a bronca é necessária para o bem dele, e que se tornará tanto menos necessária quanto mais educado e controlado ele estiver. Dizer isso parece aliviar o sentimento de culpa da pessoa e permite que ela continue a aplicar a técnica da maneira correta.
Punir é a única forma de estabelecer limites?
Primeiramente, é importante entender que a punição e o reforço negativo não têm a intenção de machucar o cão nem de ser uma vingança. O objetivo é unicamente impedir ou redirecionar comportamentos indesejáveis.
Uma maneira de punir o cão que se comporta de modo indesejado para obter atenção é ignorá-lo. Mas pode não funcionar se ele intensificar aquele comportamento e conseguir a atenção que quer. Imagine um filhote que morde a mão do dono para chamar atenção. Ele poderá morder cada vez mais forte até se tornar impossível ignorá-lo. Portanto, antes de adotarmos a técnica, devemos nos perguntar se conseguiremos ignorar o comportamento intensificado. Se sim, a estratégia será adequada. É comum que um comportamento cesse depois do aumento da sua intensidade, tendência essa conhecida em psicologia como “extinction burst”.
Grande parte dos comportamentos caninos é auto-reforçadora, ou seja, praticá-los proporciona por si só uma recompensa ao cão. É o caso do cão que rouba comida de cima da mesa. Se o produto do roubo for do agrado dele, voltará a roubar somente para sentir novamente o prazer que o alimento lhe deu. Num caso desses, ignorar o comportamento de nada adiantará. Situações assim tornam necessária a utilização consciente de punições para serem estabelecidos os limites. Mas é preciso saber aplicar a técnica corretamente, é o que planejo ensinar no próximo artigo.
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