Paris, - João Paulo II foi um um grande papa e isso é óbvio. Seus próprios inimigos o reconhecem e a simples enumeração das realizações de seu pontificado o testemunham. Mas ele não foi apenas um grande papa. Foi também um dos mais misteriosos.
Obstinado e mesmo cabeçudo como uma mula, foi ao mesmo tempo capaz de evolução, de revisão e até mesmo de contradições. Muitos o consideravam arcaico, obscurantista e medieval. Não sem motivo, se atentarmos para os interditos e as imprecações lançadas contra a contracepção e o aborto ou sua intransigente imposição do celibato dos padres. Ora, estranhamente, este mesmo homem se revelou furiosamente moderno, para não dizer modernista, em outros campos. Como por exemplo o da ciência.
Em 20 anos de encíclicas e de discursos, ele reverteu totalmente a posição da Igreja nos campos fundamentais da ciência. Os dois casos de "revisionismo" papal mais impressionantes, os mais necessários e os mais perigosos são os de Copérnico e Galileu, por uma parte, e o de Darwin, por outra.
Descobertas - Cumpre analisar em conjunto os "arrependimentos" manifestados por João Paulo II em relação a Copérnico e Galileu. Nicolau Copérnico, polonês como João Paulo II (1473-1543), lançou por terra a teoria universalmente aceita do grego Ptolomeu, que colocava a Terra no centro do cosmos e fazia do Sol um astro a girar em torno da Terra. A Igreja naturalmente acomodou-se à teoria de Ptolomeu que garantia que a Terra, criada por Deus e habitada pelo homem, era o centro e o motor dos mundos. Mas o cônego Copérnico fez cálculos, observações e obteve conclusões devastadoras: o centro é o Sol. A Terra, como os outros planetas, gira em torno dele. A condição da Terra (e conseqüentemente a do homem) é vertiginosamente rebaixada por Copérnico e o heliocentrismo.
A Igreja ficou insatisfeita porque sua teoria não era compatível com a Bíblia. Esse Copérnico era um tipo "politicamente incorreto" (ou "teologicamente incorreto"): como , por exemplo, Josué teria se arranjado para deter o curso do Sol, segundo diz a Bíblia, se Copérnico estivesse certo? O papado refletiu enormemente. Finalmente, depois de setenta anos, o golpe de cutelo: a obra de Copérnico é colocada no índex dos livros proibidos. Para o Vaticano, é o Sol que se obstina em girar em torno da Terra, e não o contrário. Mas, a bem da verdade, a atitude do Vaticano daquela época não era inteiramente estranha. O papa não era o único cristão a ficar indignado com o cônego polonês: Lutero, o pai do Protestantismo, foi ainda mais furibundo. Tratou Copérnico como louco.
Heresia - Não era essa, porém, a opinião de outro cientista grandioso, Galileu Galilei, nascido em Pisa em 1564 e que se tornara partidário de Copérnico aos 30 anos. De maneira intrépida e corajosa, Galileu publicou em 1633 sua obra: Diálogo sobre os Dois Grandes Sistemas do Mundo, no qual defende Copérnico em tom vivo, sério e impertinente. Pela segunda vez,o Santo Ofício se encoleriza. Em 1633, a obra desse sábio pisano foi colocada no Index.
Galileu, acusado de heresia, foi encarcerado no Quirinal. Pobre velho sábio ! Ele bem sabe que a próxima etapa podia ser uma fogueira. Por isso, nesse mesmo ano de 1633, abjura seus escritos, muito embora o papa Urbano VIII tenha tido a gentileza de comutar sua pena de prisão pelo exílio.
Os séculos passam ( no caso da Igreja, não se deve dizer "as horas passam", mas sim "os séculos passam"). O Vaticano é impassível e, tanto pior, pois todos os sábios e todos os homens seguem Galileu e não Ptolomeu. Entretando, em 1965, o documento do Concílio Vaticano II Gaudium et Spes (sobre a Igreja no Mundo) dá a entender que talvez as coisas tenham mudado...
Mas é João Paulo que comete o gesto heróico e sacrílego: no dia 31 de outubro de 1992, na sala real do Palácio do Vaticano, reabilita oficialmente Galileu. Melhor ainda: reconhece que Galileu foi um bom cristão e que sua teoria era justa. Arrependimento. Foram precisos 359 anos.
Evolução- Este é o primeiro golpe espetacular de João Paulo II: de agora em diante, a cosmologia dos cientistas não se opõe à dos padres. Mas continua havendo um segundo campo onde a tarefa de retirar as minas talvez seja ainda mais delicada: a biologia e, em primeiro lugar, a teoria da evolução de Charles Darwin.
Em 1859,o biólogo inglês publicou Sobre a Origem das Espécies por Via da Seleção Natural. Darwin explica que toda a Natureza, inclusive o "ser vivo", e, portanto o homem, é fruto de uma evolução da matéria que se estende por milhões de anos. O homem não foi criado por Deus instantaneamente, foi lentamente secretado pela Natureza, passando da ameba ao rato e ao macaco, depois ao ser humano. A teoria darwiniana, hoje confirmada pela genética, constitui, desde o século 19, um desafio terrível para a filosofia, a ciência e a religião.
Também neste ponto a Igreja caminha a marcha-a-ré...Detesta a novidade. Ao longo do século, ignora ou despreza as duas teorias evolucionistas, a de Lamarck e sobretudo a de Darwin. É preciso ouvir Pio XII para notar um princípio de reabilitação, em sua encíclica Humani Generis (1950), mas é João Paulo II, uma vez mais, que se atreve a dar o passo à frente e reconhecer, diante da Pontifícia Academia de Ciências, em 1996, que os princípios de Charles Darwin são "mais do que uma hipótese". João Paulo II libertou portanto a teologia de duas atitudes estúpidas que, com o tempo e o avanço da ciência, raiavam ao grotesco (como são grotescos esses texanos, que ensinam sempre em suas escolas que o homem não descende do macaco!).
Bíblia - Não se pode subestimar a virtude de João Paulo II: efetivamente, a teoria de Darwin, mais ainda do que a de Copérnico, arruina o " aspeto literal" da Bíblia, obriga a aceitar que a Bíblia deve ser "lida", não de " maneira literal",mas "figurada",simbólica (esta " leitura" é na verdade uma extraordinária revolução teológica, cujos efeitos ainda não avalianos totalmente).
Desta forma, João Paulo II reconhece a evidência: o aparecimento do homem não tem nenhuma relação com a história do Gênese na Bíblia. Faz parte de uma imensa aventura cósmica. Ela acaba com o "pecado original", pois não houve um Adão desobediente a Deus no jardim do Éden para agradar a Eva e arrebatar o fruto do conhecimento , o que exclui ipso facto o "pecado original", a punição imposta por Deus aos homens ( ‘trabalharás...", etc.) e que torna o mal - já incompreensível na visão cristã tradicional - ainda mais escandaloso, mais espantoso, mais injusto.
Não é difícil avaliar a amplidão da revolução realizada pelo papa (uma revolução tão ambiciosa quanto a "revoluçãocopernicana" ou a de Darwin). Mas isso não bastou para João Paulo II. Na realidade, ele procurou esclarecer estas duas retificações científicas dentro de uma nova visão globalizante das relações entre a ciência e a fé.
O papa deu a conhecer esta nova filosofia, que condensa e coroa todas as retificações aportadas em vinte anos pela publicação de sua encíclica mais arriscada: Fides et Ratio, lançada em fins de 1998.
Atacou desta forma uma questão que foi objeto de controvérsias apaixonadas na Idade Média (com Santo Agostinho, Abelardo e sobretudo Santo Tomás) , mas que pouco a pouco foi se apagando, depois que o mundo entrou na era científica, com o advento da Renascença. Efetivamente, a partir do Renascimento, os dois enfoques (fé e razão) que na Idade Média avançavam juntos, escolheram caminhos separados. A fé e a ciência romperam as pontes.
Ciência e fé - O sonho de João Paulo II era reconciliar a fé e a ciência. O divórcio entre estas duas instâncias, teve, segundo João Paulo II, consequências devastadoras: a fé sem a ciência resultou no fideísmo", que permanece completamente surdo à realidade das coisas. E, ao inverso, a ciência sem a fé, resultou no "positivismo" e no "cientificismo", no "humanismo ateu" e em todas as pestes que João Paulo II jamais deixou de denunciar (o que lhe valeu sua reputação de obscurantismo"). Portanto, João Paulo II quis empurrar a Igreja e a teologia a restabelecerem a comunicação permanente entre a fé e a ciência.
Confessemos que, mesmo neste ponto, não lhe faltou brilho. De fato, o avanço das ciências "duras"ou "humanas" maltrata violentamente as verdades eternas da Bíblia. Para citar apenas um exemplo: o que resta da responsabilidade pessoal do homem diante de Deus, ou de sua "liberdade", depois que a psicanálise demonstrou que somos manipulados por um inconsciente sobre o qual não temos o menor domínio, etc... etc. (Os psicanalistas, freqüentemente talentosos, trabalham muito para definir esta dolorosa questão).
Esta tentativa de reconcilciação entre a fé e a razão foi talvez a principal contribuição deste papa. Ele manifestou nestes campos um heroísmo, uma liberdade de pensamento, um modernismo e uma inteligência que apareceram sempre com o mesmo brilho em outros campos de seu ministério.
Obstinado e mesmo cabeçudo como uma mula, foi ao mesmo tempo capaz de evolução, de revisão e até mesmo de contradições. Muitos o consideravam arcaico, obscurantista e medieval. Não sem motivo, se atentarmos para os interditos e as imprecações lançadas contra a contracepção e o aborto ou sua intransigente imposição do celibato dos padres. Ora, estranhamente, este mesmo homem se revelou furiosamente moderno, para não dizer modernista, em outros campos. Como por exemplo o da ciência.
Em 20 anos de encíclicas e de discursos, ele reverteu totalmente a posição da Igreja nos campos fundamentais da ciência. Os dois casos de "revisionismo" papal mais impressionantes, os mais necessários e os mais perigosos são os de Copérnico e Galileu, por uma parte, e o de Darwin, por outra.
Descobertas - Cumpre analisar em conjunto os "arrependimentos" manifestados por João Paulo II em relação a Copérnico e Galileu. Nicolau Copérnico, polonês como João Paulo II (1473-1543), lançou por terra a teoria universalmente aceita do grego Ptolomeu, que colocava a Terra no centro do cosmos e fazia do Sol um astro a girar em torno da Terra. A Igreja naturalmente acomodou-se à teoria de Ptolomeu que garantia que a Terra, criada por Deus e habitada pelo homem, era o centro e o motor dos mundos. Mas o cônego Copérnico fez cálculos, observações e obteve conclusões devastadoras: o centro é o Sol. A Terra, como os outros planetas, gira em torno dele. A condição da Terra (e conseqüentemente a do homem) é vertiginosamente rebaixada por Copérnico e o heliocentrismo.
A Igreja ficou insatisfeita porque sua teoria não era compatível com a Bíblia. Esse Copérnico era um tipo "politicamente incorreto" (ou "teologicamente incorreto"): como , por exemplo, Josué teria se arranjado para deter o curso do Sol, segundo diz a Bíblia, se Copérnico estivesse certo? O papado refletiu enormemente. Finalmente, depois de setenta anos, o golpe de cutelo: a obra de Copérnico é colocada no índex dos livros proibidos. Para o Vaticano, é o Sol que se obstina em girar em torno da Terra, e não o contrário. Mas, a bem da verdade, a atitude do Vaticano daquela época não era inteiramente estranha. O papa não era o único cristão a ficar indignado com o cônego polonês: Lutero, o pai do Protestantismo, foi ainda mais furibundo. Tratou Copérnico como louco.
Heresia - Não era essa, porém, a opinião de outro cientista grandioso, Galileu Galilei, nascido em Pisa em 1564 e que se tornara partidário de Copérnico aos 30 anos. De maneira intrépida e corajosa, Galileu publicou em 1633 sua obra: Diálogo sobre os Dois Grandes Sistemas do Mundo, no qual defende Copérnico em tom vivo, sério e impertinente. Pela segunda vez,o Santo Ofício se encoleriza. Em 1633, a obra desse sábio pisano foi colocada no Index.
Galileu, acusado de heresia, foi encarcerado no Quirinal. Pobre velho sábio ! Ele bem sabe que a próxima etapa podia ser uma fogueira. Por isso, nesse mesmo ano de 1633, abjura seus escritos, muito embora o papa Urbano VIII tenha tido a gentileza de comutar sua pena de prisão pelo exílio.
Os séculos passam ( no caso da Igreja, não se deve dizer "as horas passam", mas sim "os séculos passam"). O Vaticano é impassível e, tanto pior, pois todos os sábios e todos os homens seguem Galileu e não Ptolomeu. Entretando, em 1965, o documento do Concílio Vaticano II Gaudium et Spes (sobre a Igreja no Mundo) dá a entender que talvez as coisas tenham mudado...
Mas é João Paulo que comete o gesto heróico e sacrílego: no dia 31 de outubro de 1992, na sala real do Palácio do Vaticano, reabilita oficialmente Galileu. Melhor ainda: reconhece que Galileu foi um bom cristão e que sua teoria era justa. Arrependimento. Foram precisos 359 anos.
Evolução- Este é o primeiro golpe espetacular de João Paulo II: de agora em diante, a cosmologia dos cientistas não se opõe à dos padres. Mas continua havendo um segundo campo onde a tarefa de retirar as minas talvez seja ainda mais delicada: a biologia e, em primeiro lugar, a teoria da evolução de Charles Darwin.
Em 1859,o biólogo inglês publicou Sobre a Origem das Espécies por Via da Seleção Natural. Darwin explica que toda a Natureza, inclusive o "ser vivo", e, portanto o homem, é fruto de uma evolução da matéria que se estende por milhões de anos. O homem não foi criado por Deus instantaneamente, foi lentamente secretado pela Natureza, passando da ameba ao rato e ao macaco, depois ao ser humano. A teoria darwiniana, hoje confirmada pela genética, constitui, desde o século 19, um desafio terrível para a filosofia, a ciência e a religião.
Também neste ponto a Igreja caminha a marcha-a-ré...Detesta a novidade. Ao longo do século, ignora ou despreza as duas teorias evolucionistas, a de Lamarck e sobretudo a de Darwin. É preciso ouvir Pio XII para notar um princípio de reabilitação, em sua encíclica Humani Generis (1950), mas é João Paulo II, uma vez mais, que se atreve a dar o passo à frente e reconhecer, diante da Pontifícia Academia de Ciências, em 1996, que os princípios de Charles Darwin são "mais do que uma hipótese". João Paulo II libertou portanto a teologia de duas atitudes estúpidas que, com o tempo e o avanço da ciência, raiavam ao grotesco (como são grotescos esses texanos, que ensinam sempre em suas escolas que o homem não descende do macaco!).
Bíblia - Não se pode subestimar a virtude de João Paulo II: efetivamente, a teoria de Darwin, mais ainda do que a de Copérnico, arruina o " aspeto literal" da Bíblia, obriga a aceitar que a Bíblia deve ser "lida", não de " maneira literal",mas "figurada",simbólica (esta " leitura" é na verdade uma extraordinária revolução teológica, cujos efeitos ainda não avalianos totalmente).
Desta forma, João Paulo II reconhece a evidência: o aparecimento do homem não tem nenhuma relação com a história do Gênese na Bíblia. Faz parte de uma imensa aventura cósmica. Ela acaba com o "pecado original", pois não houve um Adão desobediente a Deus no jardim do Éden para agradar a Eva e arrebatar o fruto do conhecimento , o que exclui ipso facto o "pecado original", a punição imposta por Deus aos homens ( ‘trabalharás...", etc.) e que torna o mal - já incompreensível na visão cristã tradicional - ainda mais escandaloso, mais espantoso, mais injusto.
Não é difícil avaliar a amplidão da revolução realizada pelo papa (uma revolução tão ambiciosa quanto a "revoluçãocopernicana" ou a de Darwin). Mas isso não bastou para João Paulo II. Na realidade, ele procurou esclarecer estas duas retificações científicas dentro de uma nova visão globalizante das relações entre a ciência e a fé.
O papa deu a conhecer esta nova filosofia, que condensa e coroa todas as retificações aportadas em vinte anos pela publicação de sua encíclica mais arriscada: Fides et Ratio, lançada em fins de 1998.
Atacou desta forma uma questão que foi objeto de controvérsias apaixonadas na Idade Média (com Santo Agostinho, Abelardo e sobretudo Santo Tomás) , mas que pouco a pouco foi se apagando, depois que o mundo entrou na era científica, com o advento da Renascença. Efetivamente, a partir do Renascimento, os dois enfoques (fé e razão) que na Idade Média avançavam juntos, escolheram caminhos separados. A fé e a ciência romperam as pontes.
Ciência e fé - O sonho de João Paulo II era reconciliar a fé e a ciência. O divórcio entre estas duas instâncias, teve, segundo João Paulo II, consequências devastadoras: a fé sem a ciência resultou no fideísmo", que permanece completamente surdo à realidade das coisas. E, ao inverso, a ciência sem a fé, resultou no "positivismo" e no "cientificismo", no "humanismo ateu" e em todas as pestes que João Paulo II jamais deixou de denunciar (o que lhe valeu sua reputação de obscurantismo"). Portanto, João Paulo II quis empurrar a Igreja e a teologia a restabelecerem a comunicação permanente entre a fé e a ciência.
Confessemos que, mesmo neste ponto, não lhe faltou brilho. De fato, o avanço das ciências "duras"ou "humanas" maltrata violentamente as verdades eternas da Bíblia. Para citar apenas um exemplo: o que resta da responsabilidade pessoal do homem diante de Deus, ou de sua "liberdade", depois que a psicanálise demonstrou que somos manipulados por um inconsciente sobre o qual não temos o menor domínio, etc... etc. (Os psicanalistas, freqüentemente talentosos, trabalham muito para definir esta dolorosa questão).
Esta tentativa de reconcilciação entre a fé e a razão foi talvez a principal contribuição deste papa. Ele manifestou nestes campos um heroísmo, uma liberdade de pensamento, um modernismo e uma inteligência que apareceram sempre com o mesmo brilho em outros campos de seu ministério.
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