quinta-feira, 7 de maio de 2009

Papa João Paulo II - O Grande Disciplinador

São Paulo, - O eixo da Igreja deslocou-se do Norte para o Sul nos últimos 30 anos. A Europa, que concentrava metade dos católicos no fim do Concílio Vaticano II, viu essa participação cair para 23% na virada do século, enquanto a América Latina saltava de 30% para cerca de 45%. Na África, a porcentagem de católicos mais do que dobrou, passando de 5% para 12%. De acordo com dados estatísticos da Santa Sé, os países do Terceiro Mundo abrigam atualmente 62% - perto de 636 milhões - do total de 1,026 bilhão de cristãos que vivem sob a autoridade de Roma.

Foi em meio a essa reviravolta que João Paulo II assumiu o trono de Pedro em outubro de 1978. Vindo de uma Polônia monoliticamente católica, apesar de ser governada por um regime comunista, o ex-arcebispo de Cracóvia, então com 58 anos, logo descobriu que não seria fácil pastorear o rebanho. Não era só a geografia que mudava com a expansão do catolicismo. Na esteira da revolução iniciada por João XXIII e continuada por Paulo VI, novos ventos sopravam nas regiões mais pobres do Planeta, onde teólogos de vanguarda acreditavam que a Igreja devia colocar-se a serviço dos desprotegidos.

Ao desembarcar no México para abrir a 3.ª Conferência do Episcopado Latino-Americano, realizada em Puebla, em janeiro de 1979, João Paulo II deparou com uma realidade bem diferente daquela do continente europeu. Os participantes da reunião aplaudiram o papa com entusiasmo, mas não se curvaram, já nesse primeiro encontro, poucos meses após sua eleição, às diretrizes que ele trazia para orientação dos debates. Em vez de vocações religiosas e família, como queria o Vaticano, os bispos discutiram a opção preferencial pelos pobres e os desafios da nova sociedade no mundo moderno. Apenas o terceiro item proposto, a questão dos jovens, foi mantido em pauta.

Advertência - De estilo centralizador e cioso de sua autoridade, João Paulo II interveio nos debates para impor sua orientação, mas não tanto a ponto de mudar os rumos de Puebla. Sem condenar a Teologia da Libertação, advertiu que ela não podia inspirar-se no materialismo nem utilizar instrumentos marxistas para a defesa dos excluídos. A opção pelos pobres, insistiu ele, não deveria ser discriminatória nem excludente, como sugeria o adjetivo "preferencial", herdado da conferência de Medellín, que se reuniu em 1968 com a bênção de Paulo VI. Apesar da advertência, João Paulo II foi mais complacente que a Congregação para a Doutrina da Fé, que defendia uma posição mais dura.

Na conferência seguinte, realizada em outubro de 1992 em Santo Domingo, República Dominicana, os burocratas da Cúria Romana anteciparam-se aos debates. Uma comissão de cinco membros escolhidos a dedo pelo Vaticano, à revelia dos episcopados nacionais, chegou com uma versão pronta para a redação do documento a ser aprovado pela reunião. Não adiantou. Os bispos elegeram um sexto nome, o do arcebispo brasileiro d. Luciano Mendes de Almeida, então presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), como seu representante. Na última hora, d. Luciano conseguiu alterar o texto vindo de Roma, acrescentando a ele as linhas gerais de Medellín e Puebla.

"Menos mal", conformaram-se os bispos que resistiam à imposição de diretrizes das quais discordavam. "Santo Domingo foi marcada pelo cuidado, pelo medo, por interferências fortes vindas da Cúria Romana, sobretudo por causa da Teologia da Libertação e, por isso, não esteve à altura do momento em que foi convocada", afirma d. Angélico Sândalo Bernardino, bispo de Blumenau (SC). A interferência, conforme revela o teólogo paulista Oscar Beozzo, partiu do secretário de Estado da Santa Sé, cardeal Angelo Sodano, para quem as conferências episcopais latino-americanas atuavam, ousadia inadmissível, como uma espécie de concílio autônomo. Roma, aconselhava Sodano, precisava retomar o controle da situação.

A Congregação dos Bispos, presidida pelo cardeal africano Bernardin Gantin, depois substituído pelo cardeal brasileiro d. Lucas Moreira Neves, passou a filtrar, com mais cuidado, os nomes enviados pelas nunciaturas apostólicas para o preenchimento das dioceses vacantes. Em menos de 20 anos, o papa renovou o episcopado, nomeando mais de dois terços dos 4.500 bispos em atividade no fim do século 20. "É inegável que o perfil do episcopado brasileiro e mundial mudou, com a escolha de bispos que são mais pastores e menos políticos", observa d. Amaury Castanho, de Jundiaí (SP), um dos mais ativos representantes da linha mais moderada da Igreja.

"Como nem sempre os escolhidos correspondiam às expectativas, Roma preferiu dar maior atenção aos arcebispos", diz padre Beozzo, citando como exemplos a nomeação de d. Cláudio Hummes para a sucessão do cardeal d. Paulo Evaristo Arns em São Paulo e a de d. Geraldo Majella Agnelo para o lugar do cardeal primaz de Salvador. D. Paulo, que até então dirigia a maior arquidiocese do mundo, viu seu poder reduzido em 1989, quando o Vaticano desmembrou o território sob sua jurisdição para criar novas dioceses na capital paulista. O cardeal não disfarçou sua mágoa com a Cúria Romana, mas evitou criticar João Paulo II.

"Mediocrização" - Na avaliação de frei Clodovis Boff, teólogo como seu irmão Leonardo Boff (o ex-frade franciscano que deixou a vida religiosa após sofrer uma punição do cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé ), houve uma "mediocrização" do episcopado no mundo e não apenas no Brasil. "Temos hoje um papa grande e bispos pequenos", escreveu frei Clodovis. Ele não gosta do estilo "autoritário" adotado na disciplina interna, mas prevê que João Paulo II ficará na história como um "grande papa, por uma estatura pública e ética que reforça o poder da Igreja".

Avançado no campo social, Wojtyla adotou uma atitude conservadora em questões morais. "João Paulo II tem a mesma posição de Paulo VI em questões como aborto, sexo e homossexualismo", lembra d. Cândido Padin, que, como bispo de Lorena e de Bauru, foi um dos mais atuantes dirigentes da CNBB durante a ditadura militar. "O papa polonês, que sofreu a opressão do nazismo na carne, quis impedir a influência do marxismo na Igreja, mas teve visão suficiente para enxergar as necessidades dos desvalidos", explica d. Cândido.

Esse dualismo, aparentemente ambíguo, embora não contraditório, fez de João Paulo II um líder mundial, mas custou caro no âmbito interno da Igreja. "Foi um desastre, porque o papa aboliu o diálogo e o pluralismo, impondo ordem unida para bispos e teólogos", afirma padre Beozzo. "A grande insatisfação em relação a seu pontificado vem da falta de participação", reforça frei Clodovis, observando que essa foi uma reação de dimensão mundial. Apesar da proibição de Roma, acrescenta ele, 67% dos católicos tomam pílulas ou usam camisinhas, o que demonstra a existência de uma moral paralela à palavra oficial. "Creio ser muito grande o número de católicos que, em matéria de limitação de filhos, não segue as normas da Igreja, mas não acho que aconteça a mesma coisa a respeito do aborto", diz d. Angélico, o bispo de Blumenau que trabalhou durante 25 anos na periferia de São Paulo. Para o arcebispo de Belém, d. Vicente Zico, "existe uma tendência visível de rejeitar a orientação da Igreja, quando ela vê motivo para algum alerta de ordem pessoal ou doutrinal".

D. Vicente cita como exemplo o documento Dominus Iesus (O Senhor Jesus), da Congregação para a Doutrina da Fé, que sofreu um bombardeio generalizado por haver declarado que só o catolicismo é a verdadeira religião. "Foi uma pá de cal no ecumenismo", lamenta padre Beozzo, ao avaliar a repercussão do texto lançado em setembro de 2000. Imaginou-se, de início, que se tratasse de mais uma intervenção do cardeal Ratzinger, mas João Paulo II encampou a tese, semanas depois. O documento, acredita o teólogo, acabou com o grande sonho do papa, que era unir os cristãos - católicos, evangélicos e ortodoxos - no início do Terceiro Milênio.

Alerta - O jesuíta João Batista Libânio, professor do Instituto Santo Inácio em Belo Horizonte, não acha que o estrago tenha sido tão grande. "O documento Dominus Iesus foi um alerta para algumas posições de teólogos, mas não afetará o processo ecumênico", afirma padre Libânio, com o argumento de que os gestos do papa favoreceram o diálogo, "mesmo que a parte teórico-teológica não os tenha acompanhado".

As restrições à Teologia da Libertação e a censura de seus principais defensores, entre os quais o brasileiro Leonardo Boff e o peruano Gustavo Gutierrez, tentaram refrear o avanço do movimento na América Latina, mas não anularam sua influência. Além de continuar inspirando as Cebs (comunidades eclesiais de base), os herdeiros do espírito de Medellín e Puebla estenderam sua ação a outras áreas, em aliança com movimentos negros, povos indígenas, grupos de mulheres e minorias marginalizadas, conforme observa padre Libânio.

Com mais de cem mil núcleos no Brasil, as Cebs, tiveram o mérito de brecar em parte a evasão de fiéis para igrejas e seitas evangélicas. Num país que ainda conta com cerca de 70% de católicos entre seus quase 176 milhões de habitantes, a atuação de agentes pastorais leigos, como os que dirigem o movimento, foi fundamental para suprir a falta de padres. Embora o número de sacerdotes tenha saltado de 12.092 para 17.430 nos últimos 30 anos, o crescimento não correspondeu ao aumento da população.

Celibato - A falta de padres em número suficiente para atender as comunidades reacendeu o debate em torno da ordenação de homens casados e até de mulheres. O papa tentou cortar a discussão, ao reafirmar que a Igreja não mudaria leis que, em sua interpretação, se inspiram no evangelho. Mas as propostas continuam de pé, porque muitos teólogos e bispos discordam dessa posição. Oscar Beozzo, por exemplo, não vê motivo para não conceder aos leigos o poder de administrar os sacramentos, incluindo a celebração da eucaristia.

Outra proposta é a readmissão de padres que deixaram o ministério, mas gostariam de voltar a exercer o sacerdócio. Apesar de até alguns cardeais, como o brasileiro Aloísio Lorscheider, terem defendido a idéia, o Vaticano nem sequer admitiu a hipótese. João Paulo II, porém, adotou uma posição de mais compreensão e solidariedade em relação aos padres casados. O papa estendeu a eles a saudação que fez aos sacerdotes do mundo inteiro numa mensagem pelo Dia do Padre, em agosto de 2000.

Essa mudança demonstra que os ex-padres passaram a ser acolhidos com mais fraternidade. Um exemplo foi a maneira pela qual o arcebispo de São Paulo, d. Cláudio Hummes, reagiu ao receber de Fernando Altemeyer Júnior, um de seus principais colaboradores, a notícia de que estava deixando o sacerdócio, após 15 anos de padre. "Você não vai abandonar a Igreja, vai? Então espero que seja feliz... e que seja santo", disse d. Cláudio, abraçando o amigo. O teólogo e professor Altemeyer parou de celebrar missa, mas continuou trabalhando na pastoral e dando aulas no Departamento de Ciências da Religião, na Pontifícia Universidade Católica (PUC).

O perfil do padre mudou nas últimas décadas do século. "Num mundo de enormes transformações com ênfase no individualismo, é forte a tendência ao paroquialismo e a certos movimentos e menor o interesse pelas periferias e pastorais sociais", lamenta d. Angélico, responsável pelo setor de vocações e ministérios na CNBB. O bispo refere-se ao surgimento de grupos mais voltados para o espiritual, como a Renovação Carismática Católica e outros movimentos de leigos.

Para todos - Menosprezados, de início, pela ala mais engajada da hierarquia e do clero, sob suspeita de levar à alienação do povo por falta de compromisso social, os carismáticos conquistaram respeito, quando se viu que atraíam de volta às igrejas milhões de católicos afastados da prática da religião. Bispos como d. Vicente Zico e d. Cândido Padin advertem para o risco de celebrações eventualmente vazias de conteúdo, mas não deixam de reconhecer a importância das manifestações populares para a evangelização. Para não perder o controle dessas iniciativas, que com freqüência nascem, crescem e atuam à margem da hierarquia, a CNBB achou mais prudente apoiá-las, indicando bispos e padres para lhes dar assistência. Na diocese de Santo Amaro, d. Fernando Figueiredo postou-se ao lado de padre Marcelo Rossi, um fenômeno em atração de público com suas missas e shows, para garantir a fidelidade de seus cultos à liturgia e à doutrina da Igreja.

O exemplo, aliás, veio de Roma. João Paulo II, que continuava a atrair multidões, apesar de não ter mais o vigor e a disposição dos primeiros anos de pontificado, fez questão de dar sua bênção aos movimentos de leigos que, como os carismáticos e os cursilhos de cristandade, pudessem contribuir para a revitalização do catolicismo. A Igreja entendeu que, diferenças e estilos à parte, havia espaço para todos participarem do esforço de evangelização, atendendo ao apelo que o papa Wojtyla fez na virada do milênio.

2 comentários:

  1. Em Espanha a Igreja não é mole e frouxa como em Portugal enão se iludem com as ilusões do Darwin nem aceitam que os políticos prossigam as suas políticas sem mobilizar as populações para a luta. Os Bispos acabam de dizer como é que os católicos devem votar no aborto e os católicos devem fazer isso se não quiserem ter remorsos para sempre e ainda serem excomungados. A Santa Máe Igreja está a dar-nos o caminho. Quem não os egue será perdoado por Deus mas não pelos homens. Queremos uma Igreja assim em Portugal e um PORTUGAL MAIS PRÓVIDA.

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  2. Obrigado pelo comentário Guilherme, mas serei sincero, aqui em casa admiramos a pessoa bárbara que foi o Papa João Paulo II. Já este novo papa não nos agrada...

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