segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Rei Tut: segredos de família - Parte 1

Tutankhamun KV62
Filho de uma união entre irmãos, o faraó sofria de uma má-formação congênita no pé e de uma doença óssea que lhe dificultavam a locomoção. O casamento endogâmico pode ter causado a deformidade e até mesmo impedido que tivesse herdeiros com a esposa.

As múmias provocam a nossa imaginação. Impregnadas de mistério e magia, elas já foram pessoas que viveram e amaram, tal como nós.

Estou convencido de que é nosso dever honrar esses mortos antigos e garantir que descansem em paz. No entanto, há segredos dos faraós que só podem ser revelados por meio do estudo de suas múmias. Em 2005, quando foram feitas tomografias computadorizadas da múmia de Tutankhamon, pudemos comprovar que ele não morrera devido a um golpe na cabeça, como muitos acreditavam. Nossa análise revelou que o orifício na parte de trás de seu crânio havia sido aberto durante o processo de mumificação. O exame também mostrou que Tut morreu com apenas 19 anos de idade - talvez logo depois de ter sofrido uma fratura na perna esquerda. Porém, ainda restam outros mistérios em relação ao faraó-menino que até mesmo a tomografia computadorizada não consegue esclarecer. Por isso, decidimos realizar um exame ainda mais profundo de sua múmia e, no fim, acabamos descobrindo fatos extraordinários a respeito de sua vida, seu nascimento e sua morte.

Para mim, a história de Tutankhamon é como uma peça teatral cujo fim ainda está sendo escrito. O primeiro ato do drama tem início por volta de 1390 a.C., décadas antes do nascimento de Tut, quando o faraó Amenhotep III (também conhecido como Amenófis III) sobe ao trono do Egito. À frente de um império que se estende por 1,9 mil quilômetros, desde o rio Eufrates ao norte até a quarta catarata do Nilo ao sul, esse soberano da 18a dinastia vive em meio a uma abundância material inimaginável. Ao lado da poderosa rainha Tiye, governa o Egito por 37 anos, venerando os deuses de seus ancestrais, sobretudo Amon, enquanto o povo prospera e imensas riquezas, originárias de seus domínios estrangeiros, se acumulam em seus cofres.

Se o primeiro ato tem a ver com bonança e estabilidade, o segundo é marcado pela revolta. Ao morrer, Amenhotep III é sucedido por seu segundo filho, que assume o trono como Amenhotep IV - um visionário que dá as costas ao culto de Amon e de outros deuses do panteão oficial e passa a venerar uma divindade única, conhecida como Aton, o disco do Sol. No quinto ano de seu reinado, ele muda o próprio nome para Akhenaton, ou "aquele que é benéfico a Aton". Também atribui a si mesmo a condição de deus vivo e abandona o tradicional centro religioso de Tebas, erguendo uma cidade cerimonial 290 quilômetros ao norte, em um local hoje conhecido como Amarna. Ali ele vive com sua rainha, a bela Nefertiti, e juntos se tornam os sumo-sacerdotes de Aton, cumprindo essa função com a ajuda de suas seis filhas. Os sacerdotes são despojados de todo poder e riqueza, e Aton reina supremo. Nesse período, a arte é perpassada por novo e revolucionário realismo: o próprio faraó não é mais, como os antecessores, retratado com semblante idealizado e corpo jovem e musculoso, e sim com aparência afeminada, barriga protuberante, rosto alongado e lábios carnudos.

O fim do reino de Akhenaton está envolto em confusão - como se a ação da peça se transferisse aos bastidores. Um ou talvez dois faraós governam por breves períodos, com Akhenaton ainda vivo, já morto ou em ambos os casos. Como outros egiptólogos, estou convencido de que o primeiro desses "reis" é, na verdade, Nefertiti. Já o segundo é um personagem enigmático chamado Smenkhkare, sobre o qual pouco conhecemos. O que se sabe com certeza é que, ao subir a cortina e começar o terceiro ato, o trono está ocupado por um menino de apenas 9 anos de idade: Tutankhaton ("a imagem viva de Aton"). Em algum momento nos dois primeiros anos de seu reinado, ele e sua mulher, Ankhesenpaaton (que era filha de Akhenaton e de Nefertiti), abandonam Amarna e voltam a Tebas, reabrindo os templos e restituindo-os à antiga glória e prosperidade. Também alteram os próprios nomes, para Tutankhamon e Ankhesenamon, proclamando sua rejeição à heresia de Akhenaton e uma devoção renovada ao culto de Amon.

Em seguida a cortina se fecha. Dez anos depois de subir ao trono, Tutankhamon morre, sem deixar herdeiros que possam ocupar o seu lugar. Ele é sepultado às pressas em uma tumba de pequenas dimensões, projetada para um indivíduo comum não para um faraó. Em represália contra a heresia de Akhenaton, seus sucessores empenham-se em obliterar dos registros históricos quase todos os traços dos reis de Amarna, entre eles Tutankhamon.

Ironicamente, essa tentativa de eliminar a memória dele acabou preservando Tutankhamon para sempre. Menos de um século após ele morrer, a localização de sua sepultura havia sido esquecida. Oculta de saqueadores por outras edificações erguidas no mesmo local, ela permaneceu intacta até ser descoberta em 1922. Mais de 5 mil objetos foram encontrados no interior da tumba. No entanto, os registros arqueológicos até hoje não conseguiram esclarecer os relacionamentos familiares mais próximos do faraó. Afinal, de quem ele era filho? O que aconteceu com a sua viúva, Ankhesenamon? Os dois fetos mumificados achados no túmulo seriam filhos prematuros de Tut ou sinais de pureza para acompanhá-lo na vida após a morte?

Para esclarecer essas dúvidas, resolvemos analisar o DNA de Tutankhamon, assim como o de dez outras múmias que se supõe serem membros de sua família imediata. No passado, fui contra o estudo genético das múmias de faraós. A probabilidade de obter amostras viáveis e ao mesmo tempo evitar a contaminação delas com DNA moderno era por demais insignificante para justificar a manipulação desses restos mortais sagrados. Todavia, em 2008, vários geneticistas me convenceram de que as técnicas haviam sido aperfeiçoadas de tal modo que havia boa chance de conseguirmos resultados aproveitáveis. Assim, montamos dois laboratórios de sequenciamento genético, um deles no porão do Museu Egípcio do Cairo e o outro na Faculdade de Medicina da Universidade do Cairo. A pesquisa seria conduzida por dois cientistas egípcios, Yehia Gad e Somaia Ismail, do Centro Nacional de Pesquisa, também no Cairo. Decidimos ainda realizar tomografias computadorizadas de todas as múmias, sob a direção de Ashraf Selim e Sahar Saleem, da Faculdade de Medicina da Universidade do Cairo. Três especialistas internacionais trabalharam como consultores: Carsten Pusch, da Universidade Eberhard Karls, de Tübingen, na Alemanha; Albert Zink, do Instituto Eurac, em Bolzano, na Itália; e Paul Gostner, do Hospital Central de Bolzano.

As identidades de quatro das múmias eram conhecidas: a do próprio Tutankhamon, que permanecia em seu túmulo no Vale dos Reis, e três múmias expostas no Museu Egípcio - a de Amenhotep III, e as de Yuya e Tuyu, os pais de Tiye, a rainha de Amenhotep III. Entre as múmias não identificadas havia um homem achado em um misterioso túmulo no Vale dos Reis identificado como KV55. Os indícios arqueológicos e textuais sugeriam que se tratava provavelmente de Akhenaton ou de Smenkhkare.

A busca pela mãe e pela esposa de Tutankhamon concentrou-se em quatro múmias do sexo feminino não identificadas. Duas delas, apelidadas de "Dama Mais Idosa" e "Dama Mais Jovem", haviam sido descobertas em 1898, desenroladas e colocadas no piso de uma câmara lateral da tumba de Amenhotep II (KV35), ocultas ali por sacerdotes após o fim do Novo Império, por volta de 1000 a.C. As outras duas múmias anônimas provinham de uma pequena tumba (KV21), também no Vale dos Reis, cuja arquitetura indicava ter sido feita na 18a dinastia. Ambas estavam com o punho esquerdo apoiado no peito, considerado um gesto próprio de rainhas.

Por fim, tentaríamos obter amostras de DNA dos fetos achados no túmulo de Tut - uma perspectiva pouco promissora, dado o estado deteriorado em que estavam. Caso conseguíssemos algo, teríamos as peças faltantes em um quebra-cabeça régio que abrange cinco gerações. a fim de obter mostras utilizáveis, os geneticistas extraíram tecidos de diferentes partes de cada múmia, sempre de um nível profundo nos ossos, de modo a excluir por completo a possibilidade de contaminação pelo DNA de arqueó-logos anteriores - ou mesmo dos sacerdotes egípcios que haviam feito a mumificação. Depois de extraídas as amostras, era preciso separar o DNA de outras substâncias indesejáveis, como unguentos e resinas, usadas na preservação do corpo. E, como o material de embalsamamento mudava de uma múmia para a outra, variavam os passos necessários para a purificação do DNA.

2 comentários:

  1. Ineteressantíssimo!!! Egiptologia parece um estudo que envolve conhecimentos de coisas muito antigas e misteriosas, coisas que ninguem nunca conseguiu saber com precisão... É quase como se estudassem a magia por trás de todas as histórias.

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    1. É verdade.
      São teses, mas a verdade mesmo talvez nunca saibamos.
      Abraxos

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