Com o intuito de saber quais são os sinais através dos quais cães comunicam o que vão fazer aos seus donos, analisamos episódios comunicativos relatados por proprietários de cães. A pesquisa foi realizada com 1134 donos de cães, contatados através de um site (PETSITE) e através do qual foram obtidas respostas a um questionário. Pedia-se aos sujeitos que fizessem relatos de episódios, com seu próprio animal, em que fosse clara a comunicação de algo pelo cão ao seu dono. O presente trabalho tem a ver com uma parte desta pesquisa relativa a 501 episódios em que o cão teria comunicado uma intenção (avisando ou disfarçando algo que iria fazer). A análise do conteúdo destes episódios indicou que se centram em torno das motivações básicas de cães domésticos e de casos em que o animal disfarça algo errado que já fez ou irá fazer; e desvendou, em cada caso uma série de sinais a que os donos atribuem valor de previsão ou comunicação. Os mais freqüentes destes sinais foram: defecar e urinar (anda em círculo, cheira o local), comer (distrai o dono, distrai o outro cão), pegar algo (olha fixo, olha alternado), atacar (rosna, late), chamar atenção do dono (late, olha para o dono), entrar em casa (entra devagar, olha para o dono), sair de casa (pula/arranha a porta, olha para o dono), disfarçar quando vai fazer algo errado (sai devagar, olha para o dono), disfarçar quando fez algo errado (esconde-se, baixa a cabeça). Os resultados indicam que a interação entre o dono e o cão se baseia na leitura, pelo dono, de sinais preditivos do comportamento do cão que muitas vezes são interpretados como decorrendo de uma intenção do cão comunicar-se com o seu dono ou de disfarçar sua própria intenção. No caso de fazer algo errado, há uma analogia marcante com os relatos anedóticos de enganação em primatas. Estes sinais parecem ser o produto de uma construção que decorre da interação entre o dono e o seu cão. Existem elementos em comum, existe um dicionário geral, mas também incluem elementos que só poderiam ter sido adquiridos de forma particular. É possível que deste conhecimento preditivo do dono se originem práticas que reforcem no cão certos comportamento comunicativos.
Departamento de Psicologia Experimental (USP)
Claudia de Brito Faturi
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