Ele era jovem, bonito e herdeiro de vasta fortuna. Requisitado pelas moças, por onde quer que transitasse. Algumas, porque lhe admiravam a juventude, o cavalheirismo, a beleza.
Outras, porque nele vislumbravam a segurança econômica, que poderia ser alcançada por meio de vantajoso consórcio matrimonial.
Transcorriam felizes os dias até o momento em que um acidente lhe retirou a capacidade visual.
A revolta se instalou. Como viver sem o precioso sentido da visão?
Os médicos consultados não foram unânimes em seus prognósticos. Uns afirmaram que a questão era irreversível. Outros acenaram-lhe com a possibilidade de tornar a ver.
Como o tempo se arrastasse, sem alteração do quadro e desejando que o filho se adequasse à nova realidade, o pai contratou profissional orientadora.
A senhora, amadurecida na experiência, pacientemente foi vencendo a revolta do jovem e lhe mostrou como ele poderia se locomover pela casa, subindo e descendo as escadas, transitando de um aposento a outro.
Convidou-o a aguçar a audição e lhe demonstrou a diferença entre o ruído do café sendo despejado na xícara vazia e quando estava quase cheia.
Ensinou-o a reconhecer, pelo tato, móveis e objetos, burilando-lhe a capacidade de percepção.
Ante fracassos, pequenas quedas ou a incapacidade de realizar algo que desejava, o jovem ficava muito angustiado, em quase desespero.
Achava-se um inútil. Nessas horas, a bondosa professora lhe falava com calma, incentivando-o a tudo superar.
Irritado, ele respondia de forma grosseira e lhe dizia que para ela tudo era muito fácil, pois podia enxergar.
Sem se alterar, ela prosseguia no seu ensino.
Então, um dia, algo inusitado aconteceu. Ele percebeu um raio de sol lhe ferindo os olhos.
Infinitamente alegre, deu-se conta que voltara a enxergar. Entre gritos de alegrias, chamou o pai, o irmão, comemorando com efusivos abraços a ventura.
Por fim, lembrou-se da orientadora e correu a dar-lhe a notícia.
Então, e somente então, descobriu: aquela a quem tantas vezes ele ofendera, com palavras ásperas, dizendo que para ela tudo era fácil por poder enxergar, era uma senhora totalmente cega.
Arrependido, abraçou-a e lhe rogou perdão...
* * *
Quantas vezes teremos agido como esse jovem? Quantas vezes, em repartições públicas, teremos dito a quem nos atende que ele não pode aquilatar do nosso problema porque ele não os tem?
Quantas vezes, em ambientes hospitalares, para atendentes e enfermeiros, teremos manifestado nossa revolta, dizendo que eles não sabem o que é estar doente ou sentir dor?
Quantas vezes teremos ferido um coração em chaga viva, dizendo que ele é insensível e não pode nos entender porque nunca sofreu na vida?
* * *
Não sabemos quanta dor esconde um sorriso. O profissional de qualquer área sofre tanto ou mais do que nós mesmos.
E se não esbraveja, nem manifesta sua problemática, é porque aprendeu a se superar, para melhor servir.
Aprendeu a represar as lágrimas para enxugar o pranto alheio. Exercitou-se no suportar agruras a fim de estender o bálsamo nas alheias dores.
Pensemos nisso. As aparências nem sempre demonstram a realidade e onde pensamos que somente haja felicidade, escondem-se, por vezes, dolorosas chagas.
Redação do Momento Espírita.
Em 24.6.2013.
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