sábado, 19 de novembro de 2011

Estudos mostram o que passa pela cabeça dos animais - Parte 01





por Eduardo Szklarz e Alexandre Versignassi


"Numa manhã, enquanto Gregor Samsa acordava de sonhos inquietantes, descobriu que tinha se transformado num inseto monstruoso. As várias pernas, miseravelmente finas em comparação com o resto do corpo, agitavam-se desesperadamente diante de seus olhos. ´O que aconteceu comigo?´, pensou." Sim: este é o começo de A Metamorfose, do Franz Kafka: Gregor Samsa acorda transformado numa barata. É tudo uma alegoria sobre a solidão, a timidez... Mas se acontecesse essa desgraça com você na vida real, não precisaria se preocupar: uma barata é só uma máquina programada para encontrar comida e fugir de chineladas. É burra como um glóbulo branco. Uma barata não sabe que é uma barata. Você não teria nojo de você mesmo se acordasse como uma - só iria pensar em comer uma lata de Nescau na cozinha. Mas um golfinho sabe que é um golfinho. Um elefante sabe que é um elefante. Um cachorro sabe que é... gente. O incrível é que, até há pouco tempo, a ciência não aceitava isso. Dividia tolamente a vida entre "humanos" e "animais" - como se uma baleia tivesse mais a ver com uma ameba do que com você. A noção geral dos cientistas hoje é bem mais complexa: a diferença entre as nossas faculdades mentais e as dos gatos, chimpanzés e periquitos seria de grau, não de tipo. É como comparar um Porsche com um Fusca: há uma clara diferença de nível entre eles, mas ambos são carros. E saíram da prancheta do mesmo projetista.

O próprio Charles Darwin é um precursor da noção moderna de como a ciência vê os animais. Para o homem que descobriu a identidade do projetista de homens e animais (a seleção natural), a mente parecia seguir uma certa continuidade ao longo da evolução das espécies. Os bichos mais abaixo na escala evolutiva também teriam inteligência e sentimentos, só que em níveis distintos. E Darwin estava certo. "As evidências de hoje indicam que muitos animais sentem alegria, tristeza, pena...", diz o biólogo Marc Bekoff, da Universidade do Colorado.

Claro que as pesquisas têm limitações: não existe uma máquina capaz de entrar na cabeça de um gorila, de um cachorro ou de uma galinha e mostrar o que é ver o mundo com os olhos de um gorila, de um cachorro ou de uma galinha. Mas dá para chegar mais perto do que você imagina.

CONSCIÊNCIA

Um camaleão não sabe que está mudando de cor quando se camufla. Cobras não têm consciência de que enganam predadores quando se fingem de mortas. E pelicanos voam numa formação em V sem compreender que assim poupam energia e facilitam a comunicação entre o bando e o líder. Tudo isso é obra da seleção natural. Tem tanto a ver com inteligência quanto não conseguir tirar os olhos de uma outra pessoa porque ela é bonita. É instinto cego, obra da natureza.

Por outro lado, um corvo que entorta um arame com o bico para utilizá-lo como vara de pesca não está agindo de forma programada. Corvos fazem isso para fisgar peixes. E tiveram de ser criativos para isso, tanto quanto nós, humanos, quando inventamos nossas varas e anzóis num dia qualquer há 80 mil anos. Os corvos agregaram uma nova ferramenta ao seu kit de instintos. Mas chamar isso de inteligência pode, Arnaldo? Pode, Galvão. Não só pode como deve.

Mas para começar a entender como funciona a inteligência em mentes que não são de Homo sapiens, temos que compreender como elas percebem o mundo. Para os humanos, uma rosa é uma flor romântica. Para um besouro, ela é um território de caça. Um leopardo mal percebe que as rosas existem. Um cachorro não vai ligar pra ela, a menos que ela contenha xixi de outro cachorro ou tenha sido tocada pelo dono. Aí, sim, ele vai dar à rosa um montão de significados.

"Enquanto somos seres visuais, os cães sentem a realidade com o focinho", diz a psicóloga americana Alexandra Horowitz, especialista em comportamento animal. Ao cheirar um cafezinho, por exemplo, algumas pessoas conseguem saber se ele foi adoçado com uma colherinha de açúcar. Já um beagle consegue farejar uma colher de açúcar diluída numa quantidade de café equivalente a duas piscinas olímpicas.

Assim, o universo dos cachorros é um estrato de cheiros diferentes. Talvez por isso eles não liguem para a própria imagem no espelho. Mesmo que não concluam que a imagem é a deles, não sentem nenhum cheiro diferente, então não interpretam como sendo outro cachorro. Esse supernariz também lhes confere a habilidade de um detetive. Graças aos odores que você exala e às células epiteliais que deixa pelo caminho, seu cão sabe quase tudo sobre você: por onde andou, que objetos tocou, o que comeu, se beijou alguém ou se correu um pouco. Exceto a comida, claro, ele não se interessa pelos outros dados. O olfato do cão é capaz até de rastrear doenças em humanos, como mostra um recente estudo da Universidade Kyushi, no Japão. O labrador Marine, de 8 anos, detectou câncer de intestino ao cheirar o hálito e as fezes de pacientes. Tumores de pele, pulmão e bexiga também já foram farejados por cães em estudos anteriores. Mas nem vem, cachorrada: nossa capacidade de ler placas lá longe na estrada deixaria vocês morrendo de inveja...

Bom, para sentir inveja, um animal precisaria ter autoconsciência - uma noção ampla sobre quem ele é no mundo. Chimpanzés, por exemplo, têm sentimentos complexos como inveja e vergonha (escondem o rosto quando fazem alguma besteira). E quem tem vergonha não é menos consciente que nós.

O teste mais clássico para auferir consciência é o do espelho. Seu cachorro ou gato não passa por essa prova. Mas chimpanzés, elefantes e golfinhos fazem isso sem problema. Eles não só sabem quem e o que são como têm o poder de analisar o que os outros estão pensando. A primatologista Jane Goodall observou que um chimpanzé evita até olhar para uma fruta enquanto outros chimpanzés estão presentes - só para abocanhá-la inteira quando está sozinho. Alguns tampam a cara para impedir que os outros saibam que estão com medo. Tudo bem que falar de chimpanzés é covardia: geneticamente, eles estão mais próximos de nós que dos gorilas - se um ET chegasse à Terra, provavelmente não saberia distinguir a Scarlet Johanson de uma chimpanzé mais ajeitada. Ele pensaria: "Essa macacada é tudo igual"... Você não acha que ovelha, por exemplo, é tudo igual? Claro. Mas as ovelhas não. Uma pesquisa da Universidade de Cambridge mostrou que elas identificam o rosto de pelo menos outras 50 ovelhas. É isso aí: até os animais menos brilhantes podem surpreender. Mas nenhum é tão malandro quanto os que a gente tem dentro casa.

ESPERTEZA

Poucas coisas incomodam tanto quanto choro de gato com fome. Parece que ele vai morrer se você não der comida na hora. Mas não se desespere: pode ser um truque do bichinho. A cientista Karen McComb, da Universidade de Sussex, na Inglaterra, descobriu que alguns gatos emitem uma súplica de alta frequência, similar ao choro de um bebê, que dispara um senso de urgência no cérebro humano. Resultado: os donos se sentem compelidos a alimentá-los. Isso é um instinto que animais domésticos desenvolvem. Eles nascem sabendo isso. Então não é indício de inteligência para valer, certo? Errado: "Dos gatos que analisamos, só choravam assim os que viviam em casas habitadas por uma só pessoa. Ou seja: gatos aprendem a enfatizar dramaticamente o choro quando vivem com humanos numa relação de um para um", diz McComb.

Com esse miau histérico, Garfield e sua turma dão um show de inteligência emocional: eles sacam a fraqueza do dono para manipulá-lo. Cachorros não são menos malandros. Eles também fazem suas demandas de acordo com o público da casa. "Cães aprendem rápido quem são as pessoas que podem colaborar e as que não lhes dão bola", diz Horowitz.

Eles fazem isso melhor que qualquer outro animal. Num ranking de inteligência emocional, os cães seriam os campeões, de longe. O segredo deles é o contato visual. Eles são os únicos bichos que sabem o que você está pensando: olhando nos olhos eles podem detectar o nível de atenção dos donos e atuar de acordo com ele. Essa habilidade é um atributo evolutivo: cães são descendentes de lobos que trocaram a matilha pelas aglomerações humanas há 13 mil anos. Os que melhor emulavam o comportamento humano (incluindo aí a habilidade de ler a mente do outro olhando nos olhos) cresceram e se multiplicaram porque viraram os preferidos dos humanos. Os que não tinham esse dom ficaram pelo caminho. E hoje todo cão é um expert em contato visual. Como eles sabem aplicar essa habilidade inata para resolver desafios (identificar seus potencias colaboradores entre os humanos da casa), não há como negar sua inteligência.

Mas o brilho da mente dos cachorros e gatos não chega perto da de um concorrente quase descerebrado: o papagaio. Um exemplar da espécie, Alex, contava até 6 e manejava um vocabulário equivalente ao de uma criança de 2 anos. O papagaio, morto em 2007, aos 31 anos, também distinguia objetos pelo formato, cor e composição. Sua treinadora, Irene Pepperberg, lhe mostrava 5 objetos de plástico (3 amarelos, 1 roxo e 1 vermelho) e um pedaço de madeira verde. Depois perguntava: "Qual é o material verde, Alex?". Ele respondia: "Madeira". E quando ela indagava "Quantos amarelos tem aqui?", ele tirava de letra: "Três".

Essa capacidade de entender o mundo somada à habilidade que os papagaios têm de imitar nossa voz fazia com que Alex fosse visto como uma pessoa com asas, um desenho animado ao vivo. Era a noção humana de inteligência encarnada numa ave com o cérebro do tamanho de 3 castanhas-do-pará.

Por essas Alex jogou uma pá de cal numa antiga noção da ciência: a de que sempre há uma relação direta entre o tamanho do cérebro e a capacidade cognitiva. Com seu cérebro de 9 g (o nosso tem 1 500 g), o papagaio era mais perspicaz que um cachalote - dono do maior cérebro do planeta, com quase 8 quilos. A proporção entre o tamanho do cérebro e o tamanho do corpo também não diz tudo, pois favorece bichinhos nada brilhantes. No esquilo, por exemplo, a relação entre o tamanho do cérebro e o do corpo é de 3%, contra 2% no homem.

Outra explicação clássica é o tamanho do neocórtex. É a parte mais externa do cérebro, justamente a que evoluiu por último no reino animal. Só os mamíferos têm (e o nosso é enorme). Mas hoje sabbe-se que ele não é indispensável para o pensamento. Alex, que não era mamífero, não tinha neocórtex. Mas raciocinava. E outros pássaros também dão show de inteligência. Principalmente os corvos. O zoólogo de Cambridge Christopher Bird (piada pronta: bird, hehe) viu corvos jogando pedras dentro de um reservatório para fazer subir o nível da água e, assim, poder tomá-la. Eles selecionavam as pedras maiores para que a água subisse mais rápido. Nas praias do norte da Europa, corvos pegam conchas com o bico na areia. Levam até o alto e jogam em cima das pedras. Depois de alguns arremessos as conchas quebram e eles comem o recheio. Seus parentes de áreas urbanas fazem a mesma coisa. Só que jogam as conchas na faixa de pedestre das avenidas à beira-mar, esperam os carros passar por cima e catam o recheio quando o sinal fica vermelho. É fato: os corvos entendem causalidade ("se eu fizer X, acontecerá Y"). Em outras palavras, eles pensam muito bem. E melhor do que qualquer outro animal, fora os primatas e cetáceos.


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