quinta-feira, 5 de março de 2009

O QUE TINHA DE SER

Texto: Caetano Veloso
Seria preciso que o astral desse país fosse muito baixo para que vocação tão verdadeira (e já tantas vezes constatada) de Elis continuasse por muito tempo permitindo equívocos: o brilhante não é falso. Eu estava conversando com Gal e a gente falou sobre técnica e sobre talento e sobre como a pessoa começa a cantar desde menino. Agora estou sabendo claramente o que é o grande prazer de ouvir Elis cantar. Todo mundo tem feito os elogios justos a Miriam e o Naum (penso em Roberto Pinho e Cachoeira) por terem feito um espetáculo de nível, de beleza, e algumas pessoas veêm Elis como uma boa cantora-atriz dentro de um espetáculo bem concebido e bem realizado, no qual qualquer cantora-atriz boa atingiria o mesmo resultado. Eu penso que, na verdade, é o fato desse espetáculo ser, no momento, o melhor modo de fazer chegar até a gente a grande arte de Elis, que faz dele um trabalho concebido e bem realizado. Não tenho dúvida de que todos os que participaram da transação desse show sabem e são felizes por isso: é Elis, só pode ser Elis, é o canto de Elis.
Jorge Ben disse que eu sou ternura. Eu quero mandar beijos pra Miriam, pra Naum, pra César, pro Rogério, pra todos os que entraram na transação, cada músico, cada ator, maquinistas, costureiros, tudo. Mas é com Elis que eu gostaria de falar.
Elis, eu tomei o ônibus pra ir a São Paulo ver seu show. Que bom que seja em São Paulo. Fui por que pensava que esse show seria o que eu sonhava pra você. Mas é mais do que isso porque “viver é melhor que sonhar”. E eu gostei muito de ver você cantando a canção que diz isso. Eu gostei muito, muito de ver você cantando tudo. Gracias a la Vida. Eu fiquei doce e besteirão quando o show terminou. E meditei. Não tenha medo. O show business é um bicho-papão muito bonito e você engole ele: essa é a mensagem que você passa pra todos os seus colegas de profissão.
Diga a César que ele está lindo. Na hora que ele fica sozinho no piano acústico e você vem e canta pra ele, eu pensei no significado da união e ouvi você cantar tão tão lindo e senti a ausência de Dedé que tinha ficado no Rio e me senti apaixonado por tudo e chorei e fiquei querendo abraçar o meu amigo que estava do meu lado e entendi todo o lance de uma pessoa cantando acima dos limites do cotidiano. Você cantou minha música perto de mim, sem saber. Me encontrei com você completamente e isso me enriqueceu. Foi o que tinha de ser. O compositor não precisa lhe dizer mais nada.
 
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(Revista “Música do Planeta Terra”, 1976)

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