Autora: Cristiane A. Sato, formada em direito pela Universidade de São Paulo, pesquisadora de mangá e animê, presidente da ABRADEMI – Associação Brasileira de Desenhistas de Mangá e Ilustrações, colaboradora de publicações sobre cultura popular japonesa, mangá e animê desde 1996. Palestrante convidada em eventos diversos no Centro Cultural Itaú, Sesi, Sesc, FAU-USP, Fundação Japão, Embaixada, Consulado Geral do Japão, etc.
A “pop art” e a “pop culture” são fenômenos culturais relativamente recentes. Talvez ninguém melhor identificou e expressou esses fenômenos como o artista norte-americano Andy Warhol na década de 60. Ícones que representavam valores e referências de uma nação que se solidificava na liderança político-econômica mundial, estavam sendo divulgados numa velocidade nunca antes presenciada pela humanidade, por todos os meios de comunicação de massa que a tecnologia podia oferecer. O rosto insinuante de Marilyn Monroe em painéis colorizados, a lata de sopa Campbell's e os heróis fantasiados com poderes sobrenaturais dos “comics” foram só alguns dos inúmeros ícones e clichês que, no século XX, viraram sinônimo de Estados Unidos para pessoas nas mais diversas partes do globo, das mais distintas culturas, idiomas, crenças e hábitos. Esses “produtos”, frutos de vários tipos de indústrias que eram direcionados prioritariamente ao público interno norte-americano e que refletiam hábitos, gostos e valores daquela nação, aos poucos tornaram-se veículo de transmissão daquela determinada cultura para outros povos, muitos dos quais,mesmo sem a mesma origem cultural, acabaram adaptando ou até mesmo assimilando aqueles valores. Assim ocorreu com a produção cinematográfica de Hollywood, produzindo diversão e fantasia acessível até ao mais humilde dos americanos, e que acabou ditando a moda, os valores e aspirações de platéias no mundo inteiro, transformando a própria fábrica de sonhos e os sonhos que ela cria num sinônimo, ainda que irreal, de Estados Unidos. O Japão, nação oriental cuja história acumula 2 mil anos de realizações e transformações, permaneceu por mil e quinhentos anos quase intocado por sua localização geográfica e pelo fato de ser uma ilha. As poucas influências culturais e tecnológicas externas, via de regra vindas de outras nações orientais, fizeram com que crenças e hábitos locais evoluissem para manifestações culturais muito particulares. Quando Marco Polo alcançou a China, ele trouxe ao ocidente informações muito superficiais sobre a existência de uma ilha com tesouros desconhecidos, que Kublai Khan tentou conquistar com uma mal-sucedida investida naval, destruída numa tempestade com fortes ventos que deram origem à expressão “kamikaze”. Mais de cem anos depois, no século XVI, quando os primeiros ocidentais que chegaram ao Japão pelas ainda recentes rotas marítimas comerciais, e relataram o que haviam descoberto na Europa, o impacto foi surpreendente. Os ocidentais estavam descobrindo uma civilização que, naquela época, já possuia mil e quinhentos anos de existência, e que em quase nada se comparava a outras culturas que já conheciam ou haviam ouvido falar. Esse primeiro contato do ocidente com o Japão, mais especificamente com Portugal e com a Holanda, durou apenas um século. O advento do shogunato Tokugawa no início do século XVII, expulsou os ocidentais do Japão e isolou o arquipélago culturalmente até a segunda metade do século XIX. Com a Restauração Meiji, a necessidade de desenvolver a economia e a industrialização do país resultou na abertura dos portos e na receptividade a novas tecnologias e influências culturais do exterior. Assim como ocorreu dois séculos e meio antes, não demorou muito para que o ocidente “redescobrisse” o Japão. Desta vez, entretanto, a troca de informações ocorreu com mais velocidade e o choque cultural foi inevitável. Esse fluxo de informações, infelizmente, não se manteve constante ao longo deste último século e meio. Durante a Segunda Guerra Mundial, tendo o Japão formado o Eixo junto com a Alemanha nazista e a Itália fascista, suspenderam-se as relações diplomáticas com vários países que apoiavam os Aliados, e a cultura japonesa ficou por mais alguns anos confinada ao arquipélago. Restabelecida a paz, novamente a cultura japonesa tornou-se motivo de curiosidade e fascínio. A imagem tradicional do Japão, ligada à ética do bushido, dos samurais e katanas, kimonos de seda, geishas, bonsais, templos e cerejeiras em flor, aos poucos foram dando lugar a uma imagem mais atual, porém não menos curiosa, de um Japão voltado à reconstrução do pós-guerra, cada vez mais ocidentalizado em forma, mas revelando aspectos tão antigos quanto os das imagens tradicionais. Não são mais as gravuras ukiyo-e que trazem essas imagens ao ocidente, mas histórias em quadrinhos com personagens caricatos, de corpos magros, grandes olhos e cabelos espetados. Não são mais os filmes de Akira Kurosawa e seus cativantes épicos de samurais e ronins, mas filmes de qualidade discutível com monstros gigantes destruindo Tokyo, que trazem ao ocidente uma curiosa amostra do que é popular nas salas do outro lado do mundo. Foi a TV, na segunda metade do século XX, que trouxe aspectos de um Japão menos aristocrático e histórico a lares de diferentes culturas no mundo inteiro. Sem qualquer intenção premeditada, produções japonesas de animação foram sendo exportadas e televisionadas em vários países a partir da década de 60, como mera alternativa de diversão despretensiosa. Personagens com nomes como Mitsuo, Saori, Tetsuo, Kaoru e Yukito passaram a ser tão comuns aos ouvidos como nomes em inglês. A estética dos olhos grandes e cabelos espetados foi se tornando familiar, e passou a ser sinônimo de estética japonesa, embora esse visual em nada corresponda à realidade física dos orientais. Hábitos como comer bolinhos de arroz com palitinhos, usar uniformes escolares parecendo roupas de marinheiro, ver placas e letreiros escritos em japonês e pratos chamados “okonomiyaki à moda sulista”, aparecem todos os dias na TV, diante de crianças e adultos que raramente têm idéia de que tais coisas existiam, e que a partir desse inusitado meio descobrem a existência de um povo com tradições e hábitos diferentes. Por se tratar de um fenômeno muito recente, haja vista que a popularização dos desenhos animados japoneses no ocidente ocorreu da década de 80 para cá, é interessante observar que ainda hoje existe certa relutância nos meios acadêmicos em considerar a animação como manifestação da cultura japonesa. Provavelmente isso decorre do fato de que os próprios japoneses acreditam que boa parte das chamadas manifestações de cultura pop não passam de modismos. Entretanto, é inegável que através da animação, difundiu-se internacionalmente aspectos de valores e referências culturais exclusivamente japoneses, assim como o cinema americano serviu de difusor dos valores, do estilo de vida e da estética americanos. Isso se verifica não apenas na constatação pacífica de aspectos curiosos ou exóticos que aparecem nessas produções, como também em situações que geram interpretações às vezes equivocadas e culturalmente conflitantes com cultura local onde os desenhos japoneses são exibidos.
A “pop art” e a “pop culture” são fenômenos culturais relativamente recentes. Talvez ninguém melhor identificou e expressou esses fenômenos como o artista norte-americano Andy Warhol na década de 60. Ícones que representavam valores e referências de uma nação que se solidificava na liderança político-econômica mundial, estavam sendo divulgados numa velocidade nunca antes presenciada pela humanidade, por todos os meios de comunicação de massa que a tecnologia podia oferecer. O rosto insinuante de Marilyn Monroe em painéis colorizados, a lata de sopa Campbell's e os heróis fantasiados com poderes sobrenaturais dos “comics” foram só alguns dos inúmeros ícones e clichês que, no século XX, viraram sinônimo de Estados Unidos para pessoas nas mais diversas partes do globo, das mais distintas culturas, idiomas, crenças e hábitos. Esses “produtos”, frutos de vários tipos de indústrias que eram direcionados prioritariamente ao público interno norte-americano e que refletiam hábitos, gostos e valores daquela nação, aos poucos tornaram-se veículo de transmissão daquela determinada cultura para outros povos, muitos dos quais,mesmo sem a mesma origem cultural, acabaram adaptando ou até mesmo assimilando aqueles valores. Assim ocorreu com a produção cinematográfica de Hollywood, produzindo diversão e fantasia acessível até ao mais humilde dos americanos, e que acabou ditando a moda, os valores e aspirações de platéias no mundo inteiro, transformando a própria fábrica de sonhos e os sonhos que ela cria num sinônimo, ainda que irreal, de Estados Unidos. O Japão, nação oriental cuja história acumula 2 mil anos de realizações e transformações, permaneceu por mil e quinhentos anos quase intocado por sua localização geográfica e pelo fato de ser uma ilha. As poucas influências culturais e tecnológicas externas, via de regra vindas de outras nações orientais, fizeram com que crenças e hábitos locais evoluissem para manifestações culturais muito particulares. Quando Marco Polo alcançou a China, ele trouxe ao ocidente informações muito superficiais sobre a existência de uma ilha com tesouros desconhecidos, que Kublai Khan tentou conquistar com uma mal-sucedida investida naval, destruída numa tempestade com fortes ventos que deram origem à expressão “kamikaze”. Mais de cem anos depois, no século XVI, quando os primeiros ocidentais que chegaram ao Japão pelas ainda recentes rotas marítimas comerciais, e relataram o que haviam descoberto na Europa, o impacto foi surpreendente. Os ocidentais estavam descobrindo uma civilização que, naquela época, já possuia mil e quinhentos anos de existência, e que em quase nada se comparava a outras culturas que já conheciam ou haviam ouvido falar. Esse primeiro contato do ocidente com o Japão, mais especificamente com Portugal e com a Holanda, durou apenas um século. O advento do shogunato Tokugawa no início do século XVII, expulsou os ocidentais do Japão e isolou o arquipélago culturalmente até a segunda metade do século XIX. Com a Restauração Meiji, a necessidade de desenvolver a economia e a industrialização do país resultou na abertura dos portos e na receptividade a novas tecnologias e influências culturais do exterior. Assim como ocorreu dois séculos e meio antes, não demorou muito para que o ocidente “redescobrisse” o Japão. Desta vez, entretanto, a troca de informações ocorreu com mais velocidade e o choque cultural foi inevitável. Esse fluxo de informações, infelizmente, não se manteve constante ao longo deste último século e meio. Durante a Segunda Guerra Mundial, tendo o Japão formado o Eixo junto com a Alemanha nazista e a Itália fascista, suspenderam-se as relações diplomáticas com vários países que apoiavam os Aliados, e a cultura japonesa ficou por mais alguns anos confinada ao arquipélago. Restabelecida a paz, novamente a cultura japonesa tornou-se motivo de curiosidade e fascínio. A imagem tradicional do Japão, ligada à ética do bushido, dos samurais e katanas, kimonos de seda, geishas, bonsais, templos e cerejeiras em flor, aos poucos foram dando lugar a uma imagem mais atual, porém não menos curiosa, de um Japão voltado à reconstrução do pós-guerra, cada vez mais ocidentalizado em forma, mas revelando aspectos tão antigos quanto os das imagens tradicionais. Não são mais as gravuras ukiyo-e que trazem essas imagens ao ocidente, mas histórias em quadrinhos com personagens caricatos, de corpos magros, grandes olhos e cabelos espetados. Não são mais os filmes de Akira Kurosawa e seus cativantes épicos de samurais e ronins, mas filmes de qualidade discutível com monstros gigantes destruindo Tokyo, que trazem ao ocidente uma curiosa amostra do que é popular nas salas do outro lado do mundo. Foi a TV, na segunda metade do século XX, que trouxe aspectos de um Japão menos aristocrático e histórico a lares de diferentes culturas no mundo inteiro. Sem qualquer intenção premeditada, produções japonesas de animação foram sendo exportadas e televisionadas em vários países a partir da década de 60, como mera alternativa de diversão despretensiosa. Personagens com nomes como Mitsuo, Saori, Tetsuo, Kaoru e Yukito passaram a ser tão comuns aos ouvidos como nomes em inglês. A estética dos olhos grandes e cabelos espetados foi se tornando familiar, e passou a ser sinônimo de estética japonesa, embora esse visual em nada corresponda à realidade física dos orientais. Hábitos como comer bolinhos de arroz com palitinhos, usar uniformes escolares parecendo roupas de marinheiro, ver placas e letreiros escritos em japonês e pratos chamados “okonomiyaki à moda sulista”, aparecem todos os dias na TV, diante de crianças e adultos que raramente têm idéia de que tais coisas existiam, e que a partir desse inusitado meio descobrem a existência de um povo com tradições e hábitos diferentes. Por se tratar de um fenômeno muito recente, haja vista que a popularização dos desenhos animados japoneses no ocidente ocorreu da década de 80 para cá, é interessante observar que ainda hoje existe certa relutância nos meios acadêmicos em considerar a animação como manifestação da cultura japonesa. Provavelmente isso decorre do fato de que os próprios japoneses acreditam que boa parte das chamadas manifestações de cultura pop não passam de modismos. Entretanto, é inegável que através da animação, difundiu-se internacionalmente aspectos de valores e referências culturais exclusivamente japoneses, assim como o cinema americano serviu de difusor dos valores, do estilo de vida e da estética americanos. Isso se verifica não apenas na constatação pacífica de aspectos curiosos ou exóticos que aparecem nessas produções, como também em situações que geram interpretações às vezes equivocadas e culturalmente conflitantes com cultura local onde os desenhos japoneses são exibidos.
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